terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Legislando só para si

José Luiz Delgado
jlmdelgado@terra.com.br

Os parlamentares acabam de elevar em 62% os seus vencimentos, cerca de 12 vezes a inflação de 2010. Vão passar a ganhar por mês coisa de 50 salários mínimos. Alegam que, ao assegurar remuneração idêntica para os membros de Poder, tão somente cumprem a Constituição. Não é verdade.

Tudo quanto a Constituição estabelece (art. 37, XI) é um teto para as remunerações de todos os servidores e todos os “membros de Poder” – qual seja a remuneração de ministro do Supremo. Não determina que as remunerações dos membros dos três Poderes sejam iguais. Conforme decorre, aliás, do mesmíssimo inciso, que, quanto aos Estados, prevê explicitamente três tetos, um para cada poder. E era o que constava expressamente da redação anterior, substituída pela atual, fruto das confusões mentais do sr. Bresser Pereira, o grande trapalhão. De qualquer forma, embora não mais fale de três tetos, absolutamente a Constituição não cogita de remunerações idênticas.

Mesmo porque as situações remuneratórias dos três Poderes são totalmente diversas. Basta ver os muitos “penduricalhos” que à própria remuneração o Congresso anexou (verba indenizatória, polpudíssima verba de gabinete, 15º salário, auxílio-moradia, sei lá mais o quê) – jogando no lixo outro artigo da Constituição, o 39 § 4º, que prevê a remuneração somente por subsídio, “vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação, ou outra espécie remuneratória”.

De imediato, os legislativos dos Estados se deram igual aumento: o efeito cascata. Também a Constituição não manda isso. De novo, apenas estabelece teto. Diz que os deputados estaduais perceberão no máximo 75% da remuneração dos federais (art. 27 § 2º). Não vincula as remunerações (como faz, por exemplo, quanto aos ministros do STJ e outros juízes: art. 93, V). Aumentar automaticamente a remuneração dos deputados estaduais para seguir o disparate feito pelo Congresso Nacional e alegar que está apenas cumprindo a Constituição é puro cinismo. É a mania, num caso e no outro, de legislar sobretudo para si mesmo, para suas próprias vantagens.

No que diz respeito a eles próprios, a Constituição pouco vale para os parlamentares brasileiros. Ela veda, por exemplo, a reeleição para os cargos da mesa (art. 57 § 4º): “Vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Portanto, para o mandato seguinte. Da mesa, é claro. E eles alegam que é apenas para o mandato seguinte dentro da mesma legislatura. Completa invenção, contra a Constituição. O vício de legislar e interpretar em causa própria. No nível federal e no nível estadual.

Não pensam no povo, no pobre do eleitor. Agora mesmo a Aneel, da péssima criação do sr. FHC, confirma cobrança excessiva nas contas de luz, mas não manda deduzir (nem em suaves parcelas mensais ao longo de anos, nada) porque isso causaria... “instabilidade no setor”. Argumento deplorável. Como se qualquer pagamento extra, injustificado e abusivo, não causasse também “instabilidade” no bolso dos contribuintes... E, desinteressados, porque isso não afeta seus bolsos, os parlamentares se calam.

É pena que, num quadro desses, ainda clame por “independência do Legislativo” um político dos mais respeitáveis deste país (tanto que se está retirando, decepcionado), como Roberto Magalhães. Se há uma coisa de que o nosso Legislativo não está precisando é propriamente independência. Entre os poderes, mais independência precisaria o Executivo, que vive constrangido pelo Legislativo, acuado e chantageado por este. O Legislativo precisa é de moralidade, de vergonha na cara, de austeridade, de compostura, de senso público. Em vários casos precisa também de cadeia.

José Luiz Delgado é professor universitário.

*O artigo foi publicado na página de Opinião do Jornal do Commercio, no dia 28.12.2010.

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